A teleperitagem, com fotos e vídeo, está já a ser usada para avaliar danos de sinistros de viação, avarias mecânicas e verificar se uma reparação foi bem executada, ao abrigo de uma garantia. Tudo à distância. Os ganhos de tempo e eficácia vão levar a que esta solução remota tenha tendência a ser escolha de mais seguradoras, oficinas e gestoras de frotas. A Dekra explicou-nos em exclusivo como tudo funciona.
Lembra-se da personagem do Coelho Branco no conhecido livro de Lewis Carroll, “As Aventuras de Alice no País das Maravilhas”, de 1865? Na obra, que teve a sua primeira adaptação ao cinema com a Disney em 1951, o Coelho Branco é a personagem que aparece a tirar um relógio de bolso do seu colete e, ao ver as horas, desata a correr e a dizer que vai chegar atrasado. No que diz respeito às apólices automóveis, as companhias de seguros podem parecer este Coelho Branco na sua labuta diária. Isto porque, atendendo aos prazos legais existentes para regularizar os sinistros, as seguradoras não se podem dar ao luxo de “levantar o pé” nos processos que têm em mãos. Um pequeno deslize representa uma multa, pela certa.
Tic, tac, tic, tac
Em 20 de outubro de 2007, quando o Decreto-Lei 291/2007, de 21 de agosto, transpôs para o ordenamento jurídico português a Quinta Diretiva Comunitária sobre o seguro automóvel, a regularização dos sinistros passou a obedecer a prazos médios mais apertados e bem delineados. Com o cronómetro a contar (tic, tac, tic, tac), o intuito foi agilizar todo o processo burocrático inerente a um acidente de viação para que o consumidor tivesse direito, tão rápido quanto possível, à reposição do seu carro devidamente arranjado ou à indemnização a que tinha direito. Sem demoras, rodeios ou dilações. Apesar de, para quem sofre um sinistro, toda esta tramitação parecer sempre morosa e até um calvário, o facto é que esta legislação constituiu um grande avanço e colocou Portugal com um dos regimes legais do seguro automóvel mais avançados, tendo em mente a proteção do consumidor.
Não obstante o sinistrado ter também datas definidas na lei para comunicar o acidente que sofreu à seguradora, é, contudo, sobre as companhias de seguros que recai a maioria dos prazos: para o contacto com o terceiro lesado, para a marcação de peritagens, para a apresentação das propostas e para o pagamento de indemnização. E o relógio sempre a contar… tic, tac, tic, tac.
A regularização de um acidente de viação é, por isso, uma espécie de luta contra o tempo: para o consumidor (que deseja o seu caso resolvido rapidamente e com a menor perturbação possível) e para a seguradora (que pretende deixar o cliente satisfeito e escapar às coimas dos reguladores do mercado).
Uma década depois do Decreto-Lei 291/2007 ter entrado em vigor, a regularização dos sinistros rodoviários está agora a ganhar um novo ímpeto, com a entrada de uma ferramenta eletrónica que a larga maioria das pessoas desconhece: teleperitagem.
À Auto Drive, dois elementos da Dekra, Paulo Durão, diretor de operações, e Sandro Campos, responsável comercial Claims & Expertises, explicaram que “esta forma de peritagem remota permite realizar as avaliações técnicas e as orçamentações sem necessidade do técnico perito se deslocar à oficina”.
Tudo funciona a partir de uma plataforma informática (um portal Web), através da qual as oficinas comunicam com a Dekra e esta, por sua vez, com a seguradora. Tudo interligado.
Recebida a participação do sinistro, as oficinas fazem o levantamento dos danos que resultaram do sinistro e elaboram a sua proposta de orçamento. Com um telemóvel ou uma câmara fotográfica digital, a oficina faz as fotos (fotoperitagem) e com um computador com acesso à net, esse dossier é remetido para o back office da Dekra. Em complemento e para se ter mais pormenor, podem também ser feitos filmes (videoperitagem), em tempo real, graças a uma plataforma integrada que a Dekra desenvolveu e que permite extrair fotogramas, adicionar legendas, colocar setas indicativas para pormenores que se pretendem destacar. Para melhoria do serviço, a Dekra está a desenvolver uma app para as oficinas captarem fotos de 360º das viaturas, a lançar este ano.
“O nosso perito vai olhar para as fotos e informações recebidas. Estuda o caso e elabora o seu próprio orçamento que foca também as horas de reparação expectáveis. Se tudo estiver em consonância com o reportado pela oficina e dentro dos parâmetros normais, o perito elabora muito rapidamente o seu parecer técnico final, transmitindo esse relatório de peritagem à oficina e à seguradora”, refere a Dekra.
Todos os documentos, elementos, fotografias e filmagens são colocadas no processo que está acessível na cloud, num servidor.
“Se se dispensar a visita do técnico à oficina, reduz-se o custo da peritagem em 50% ou mesmo mais. Sem se perder a qualidade e rigor da peritagem”, enfatiza a Dekra. Outro benefício é a rapidez e ganhos na tal corrida contra o tempo: “Podemos passar de um procedimento que implicava 48 horas para um que exige duas horas. A diferença é enorme”, declara a Dekra que exemplifica: “Imaginemos que um acidente ocorre numa 2ª feira de manhã; na 3ª feira, o perito da seguradora desloca-se à oficina; e na 4ª feira, estaria a ser elaborado o relatório. Com a teleperitagem, tudo é mais célere: a oficina envia-nos ainda na manhã dessa 2ª feira as suas fotos e informações; e no espaço de duas horas, nas nossas instalações, o perito Dekra analisa e pode dar por encerrado o processo. É muito produtivo”.
A Dekra faz notar que, além da área da colisão de sinistros, a teleperitagem, com base especialmente em filmagem, é ainda útil na análise de avarias mecânicas, em processos de garantias de peças e para verificar se uma reparação foi bem executada: “À distância, podemos ver o funcionamento de um componente ou escutar o motor a trabalhar para detetarmos algum barulho estranho” que num documento em papel poderia ser reportado, mas nunca se perceberia, além do mais, se seria real ou não. Este trabalho à distância é suportado por auditorias de controlo de qualidade às oficinas, aleatórias, mas regulares, por parte da Dekra para evitar abusos ou fraudes.
Este tipo de serviço online, que se adequa à atividade de seguradoras (para sinistros até 2500 euros, que são a maioria) e gestoras de frotas (para quem as imobilizações de viaturas representam perdas de dinheiro), começa só agora a dar os primeiros passos entre nós (noutras nações já é um recurso comum, como França e Espanha), ainda que a previsão seja no sentido de que mais empresas venham a optar por esta solução mais racional. “A apetência do mercado está a crescer dadas as evidentes vantagens da teleperitagem”, afirma a Dekra que pensa, por isso, em breve, duplicar o número de peritagens feitas remotamente e o número de oficinas abrangida.
Nesta corrida contra o tempo, a teleperitagem pode ser, assim, uma forma simples mas eficaz, do Coelho Branco da nossa história deixar de recear andar atrasado. E de ganhar precioso tempo perante a voracidade imparável do ponteiro dos relógios, os quais, nos processos dos acidentes de viação, colocam sempre as seguradoras em risco de penalizações e os condutores a desesperar por uma solução rápida. Tic, tac, tic, tac.
Artigo originalmente publicado na edição #5