Auto Drive

Nas dunas de Marrocos

Astara Morocco

A convite da Astara fomos até às portas do Sahara, em Marrocos, para viver a aventura de domar dunas, ao lado de Laia Sanz no “buggy” 01 Concept movido com e-Fuel, experimentar as sensações de o conduzir e até plantar umas palmeiras no deserto

Texto — Pedro Silva

Há um proverbio marroquino que diz: “a pressa mata”. E, por incrível que pareça, apesar da velocidade que Laia Sanz imprime ao “buggy” 01 Concept, a técnica de pilotagem nas dunas tem muito dessa sabedoria: velocidade a mais, cambalhota, velocidade a menos, atascanso. O truque está em manter o ritmo certo. E, num protótipo de corrida apenas de tração traseira, essa linha divisória entre o sucesso e o desastre, entre o bestial e a besta é ainda mais fina, tão fina como o gume do instrumento usado para colher o fruto das palmeiras, a maior fonte de riqueza no meio do deserto.

É claro que o passado de competição no motociclismo, tanto no enduro como no Dakar (ganhou tantas vezes os títulos espanhol e mundial de enduro que até é fastidioso contabilizar), contribui para que Laia tenha uma leitura do terreno e das dunas que demora anos a adquirir; mesmo sabendo que estávamos a andar num local que ela já conhecia muito bem (afinal esta ação aconteceu no final de uma semana de testes da Astara Team para o Dakar de 2024) e fomos o quinto cliente para codrive nesse dia, a verdade é que se nota que há técnica, conhecimento, planeamento e, por fim, uma capacidade natural de resolver situações imprevistas que só se consegue com experiência, muita experiência.

E é claro que num carro apenas com as rodas traseiras motrizes este balanço entre manter o momento para subir as dunas e velocidade suficientemente baixa para podermos transpor o topo sem voar para o desconhecido (a pressa mata, lembra-se?) é ainda mais delicado de conseguir.

Por outro lado, a parte positiva de a Laia já conhecer bem a pista é que sabe quais as dunas onde dá para voar e as que são cortadas, exigindo uma abordagem mais técnica, com travagem no topo para colocar o 01 Concept ligeiramente atravessado, caindo depois por inércia para o outro lado: se a as duas rodas motrizes desta categoria “buggy” não ajudam na subida, os menos 300 kg de peso face aos T1+ como a Toyota Hilux e a sua distribuição (centro de gravidade mais baixo e 60% da massa sobre o eixo traseiro) e uma frente mais ligeira reduzem o movimento de rotação na queda e tornam menos fácil o temido aterrar/capotar de frente.

Ainda assim, navegar as dunas obriga a que estejamos habituados a ter o carro em posições e inclinações mais próximas das de um avião de acrobacia do que algo que usa quatro rodas assentes no chão… sempre que possível!

Entretanto, Laia Sanz mostra toda a sua excelente técnica para despachar dunas, explicando pelo intercomunicador algumas das opções de abordagem e truques de condução para o ataque às dunas: “quando já há muitos rastos é sempre melhor procurar a areia virgem; com um carro de tração traseira é muito fácil ficarmos enterrados se deixamos as rodas escavarem demais; esta tensão psicológica constante é um dos desafios do Dakar e o que torna as especiais muito cansativas; nesta vamos andar ao longo da crista até encontrar a melhor zona para descer…” E, esse percurso de algumas dezenas de metros na crista da duna, antes de mergulharmos à direita e acelerando a fundo numa descida vertiginosa, para travarmos na base da duna e virar à esquerda, foi um dos pontos altos da experiência de codrive, mostrando toda a confiança de Laia para manter o 01 Concept encaixado na crista sem perder tração e velocidade; o fundo plano ajuda a deslizar pela areia fofa do corte da duna e o enorme curso de suspensão mantêm cada par de rodas em contacto com as duas faces da duna, assegurando tração.

Nas mãos de Laia Sanz o 01 Concept dança facilmente na areia, mostrando um excelente poder de travagem, boa tração (nota-se que o diferencial autoblocante está bastante trancado, como é necessário nestes pisos) e suavidade nas aterragens…

Das motos aos carros

Nas suas próprias palavras, Laia Sanz justifica a passagem das motas aos carros como “uma progressão natural. Aconteceu na altura certa, creio. Sempre gostei de carros, como é comum a quem vive a paixão dos desportos motorizados. Nas motas já tinha ganho tudo o podia ganhar, pelo que começavam a escassear os objetivos e a vontade de melhorar. Por outro lado, comecei a ficar cada vez mais consciente dos riscos (a morte do Paulo Gonçalves foi um dos momento chave para esse sentimento) e com menos vontade de os assumir. Por outro lado, em 2021 tive a felicidade de ser convidada por Carlos Sainz para fazer equipa no campeonato Extreme E, para veículos TT elétricos.

Então foi no Extreme E a tua primeira experiência em quatro rodas, perguntámos. “A sério sim. Já tinha feito alguns ralis locais com amigos, mas tudo muito amador. O Extreme E veio com muito mais responsabilidade, até porque o convite de Carlos Sainz colocou-me uma enorme responsabilidade em cima dos ombros, simultaneamente com a honra e felicidade pelo mesmo, pois Carlos é conhecido pela exigência, competitividade e profissionalismo de tudo o que faz. E o início não foi fácil. A competição proporciona muito pouco tempo no carro e eu não tinha experiência nenhuma de ‘rubing is racing’, pelo que tinha sempre algum medo/contenção nas ultrapassagens e disputas diretas. Mas, com a ajuda de Carlos, aprendi imenso e hoje já não tenho receio de encostar quando é necessário… Depois, no final de 2022, fui convidada pelo Óscar Fuentes para este projeto do Astara Team para o Dakar.”

E por falar em Dakar, quais são os objetivos para a edição de 2024? “Não quero dizer uma classificação, porque isso pode dar azar, mas com a experiência adquirida o ano passado (na edição de 2023 tivemos alguns problemas de juventude que não nos permitiram ter a melhor estratégia) penso que temos condições para andar entre os primeiros da nossa categoria.” Então e quando pensas poder discutir a vitória à geral? “Ainda me faltam uns anos de experiência, até porque neste momento penso que só há quatro ou cinco pilotos com capacidade para ganhar à geral (Loeb, Sainz, Nasser e Ekstrom).”

Aventura ao volante

A minha maior experiência de dunas foi com o Yamaha RZR 1000 nas dunas do Colorado (muito altas, com 30 metros de altura, mas mais fáceis de ler e com a enorme vantagem de estar a seguir um guia local com muita experiência), um veículo muito mais pequeno, leve (700 kg), ágil e fácil de controlar (apenas 100 cv e tração às quatro rodas) do que o 01 Concept, que tem 4,65 m de comprimento, 1590 kg de peso e 442 cv de potência, pelo que estava fora de questão largarem-me nas vastidão de dunas de Merguza; até porque nunca me tinham visto na vida. Ainda assim, consegui convencer o Óscar Fuentes e deixar-me experimentar as sensações ao volante num percurso fácil e largo com cerca de seis quilómetros. Três para lá, três para cá; vá, uma espécie de prólogo curto.

O 01 Concept usa um chassis tubular em aço coberto por uma carroçaria em fibra de carbono e suspensões de triângulos sobrepostos nos dois eixos, com amortecedores de três vias e uns enormes 440 mm de curso. O motor é V8 LS7 de origem GM com 7 litros de capacidade alimentado a e-Fuel com um restritor de admissão de 37 mm milímetros de diâmetro; a principal adaptação para o e-Fuel foi instalar um sistema de refrigeração de combustível, já que no Dakar este chega a atingir os 55 a 60 graus Celsius, valor demasiado próximo da temperatura de ativação do conhecido fenómeno de “vapor look”, pelo que há um radiador no circuito de retorno ao depósito para prever e evitar essa situação que faria parar o motor. Nesta especificação definida pelas regras do BoP (Balance of Performance) e com um sistema de gestão Motoc M1, o V8 debita 442 cv de potência a umas pacatas 4700 rpm e um binário de 700 Nm às 2900 rpm; valores típicos de um motor com restritor e abafado pelo BoP, com pouca rotação e uma banda de potência algo estreita, embora bastante poderosa. A potência é passada às rodas traseiras por uma embraiagem AP Racing CP7373 de três pratos, uma caixa sequencial de competição de seis velocidades Sadev SL90-23 e um diferencial autoblocante de taragem regulável. Os travões são AP Racing e as jantes de 17 polegadas forjadas da Wheel Proo calçam pneus BF Goodrich de medida 37×12,5 R17, sendo que a pressão dos pneus traseiros e dos dois suplentes (colocados nas laterais atrás do cockpit) podem ser regulados pelo navegador a partir do habitáculo sem necessidade de parar; existem 4 programas que se podem carregar na centralina com pressões pré-definidas para cada situação de prova. Por fim, o e-Fuel é armazenado em dois tanques de 180 l e representam uma capacidade energética de 3840 kWh, energia essa cuja enorme densidade energética do e-Fuel permite que acrescentem cerca de 300 kg aos cerca de 1600 kg que o 01 Concept pesa em vazio; o carro da Astara é o mais leve na categoria 2WD buggy T1.3.

Enquanto Maurizio Gerini, o navegador de Laia Sanz, me ia explicando os botões e os procedimentos para controlar o 01 Concept, falando da embraiagem com pega brusca e do percurso (aberto ao trânsito) que iriamos fazer, eu apertava os cintos e armava o corta corrente, acionarmos o motor de arranque e dar vida ao V8, que também encanta (e muito) pela sonoridade.

Acaricio o acelerador para manter o V8 entre as 2000 e as 3000 rpm e vou largando a embraiagem, cuja mola é tão leve como a de um desportivo de estrada com caixa manual, nada de excessivo. Sinto o morder dos discos, o 01 Concept arranca com suavidade e começo a acelerar, pronto para virar à esquerda como o Maurizio indica e passar para segunda. Mas, mas…? O volante está solto! Tenho de parar e, quando vejo pelos espelhos toda a equipa a correr para o carro preparar um momento de humor, recebendo Óscar e os mecânicos de volante na mão quando estes abrem a minha porta…

Resolvido o problema, volante bem encaixado e lá seguimos nós, não sem um toque nos travões sugerido pelo Maurizio, ‘just in case’; agora a sério, é uma boa (e segura…) prática testar os travões de um carro de competição ante de se começar a colocar velocidade na coisa. Check! Os travões estão lá. Podemos dar gás.

A pista é bastante larga e o V8 não tem qualquer dificuldade em lançar o 01 Concept. No codrive com a Laia já tinha visto que não vale a pena passar das 5000 rpm, pois ficamos fora da banda de potência. A caixa sequencial Sadev é fabulosa: precisa de ações decididas, mas só precisa de embraiagem para os arranques, depois, tanto para progredirmos no sentido ascendente, como para reduzirmos, sendo que, melhor ainda, ambas as ações podem ser feitas com o acelerador pressionado; esta faculdade de se poder mexer na caixa sem largar o acelerador é particularmente importante quando perdemos embalo a subir uma duna, fazendo com que o V8 baixe da sua faixa de potência (há muita força, mas abaixo das 3000 rpm esta começa a ser menos abundante), ou, como me demonstrou Maurizio quando tentava rodar o 01 Concept de acelerador em cima de areia mole e já bastante mexida para entrar em estilo na zona da “boxe”, mas a 2ª estava a ficar cair para fora da zona mágica do V8 e, do banco do lado esquerdo, Maurício deu um empurrão no comando da caixa engrenando a 1ª… e “voilá”, o regime subiu para uma rotação em que a força está connosco e acabei de contornar o acampamento num belo “power slide”. Obrigado Maurizio! Nada como arrancar ao lado de um “piloto amador” que não se conhece de lado nenhum para se criarem laços de cumplicidade…

Se no início a suspensão parecia ter alguma falta de amortecimento (combinação de os amortecedores precisarem de aquecer com uma taragem de compromisso para funcionarem com variações de peso da ordem dos 350 kg), na volta, já a entrar na temperatura normal de funcionamento, deu para ver o conforto com que se sobrevoa o deserto a 130/140 km/h em 6ª, experimentar a direccionalidade de acelerador com a traseira numa curva larga de 4ª e até saltar uma sucessão de três pequenas dunas.

Mas a versão do 01 Concept que vai correr o Dakar de 2024 será significativamente mais competitiva, pois tem um novo motor V6 biturbo de origem Audi.

Novo motor

O novo motor tem por base o do RS4 e graças a um aumento do diâmetro do restritor de 37 para 38 mm conseguirá desenvolver mais 10 a 15 cv do que o V8 que experimentei (e, também, devido ao baixo peso se com este já é notório que o “buggy” Astara tem mais motor e aceleração do que a Toyota Hilux GR T1+, com o biturbo essa diferença ainda será maior). Mas, nas palavras de Óscar e Laia, as maiores vantagens estão “na maior disponibilidade de binário a baixos e médios regimes, o que facilita muito a abordagem das dunas, e em ser bastante mais leve e compacto (cerca de 50 kg mais leve, pesando em torno de 130 kg contra os 180 kg do V8 LS7), melhorando assim a distribuição de pesos e baixando o centro de gravidade. Laia Sanz, que já testou o novo carro vai ainda mais longe, garantindo que “o carro fica muito mais estável e fácil de conduzir, seja pela menor amplitude de movimentos nas dunas seja pela disponibilidade de poder pilotar mais com a acelerador.”

Bom Dakar Laia Sanz, a autoDRIVE está a torcer por ti!

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