Depois de um começo a meio gás (vá!), as marcas começam agora a lançar bons carros elétricos. E O novo Audi Q8 e-tron 55 quattro é um desses exemplos. Como somos sempre pela boa pinta, escolhemos a carroçaria Sportback para este ensaio.
Texto — Pedro Silva Fotos — Luís Duarte (copyright)
O novo Audi Q8 e-tron é o primeiro carro elétrico lançado pela Audi depois da opção pela estratégia de futuro elétrico com a assinatura, “o elétrico é o novo Premium”, pelo que a fasquia está colocada bastante alta; a este SUV não lhe basta ser bom, tem de ser melhor que todos os outros SUV da marca e da concorrência, com um acento especial nos dotes dinâmicos e na qualidade de condução.
E quando falamos de competência dinâmica temos de ir muito mais além do que tempo de aceleração em reta, algo que, e isto tem de ser dito, é muito fácil de conseguir com um carro elétrico; por um lado, conseguir potência de motores elétricos é uma tecnologia que até fabricantes de brinquedos dominam, por outro lado a combinação da característica curva de binário dos motores elétricos de indução, que está no máximo logo no arranque, com o elevado peso dos carros, que confere a tração para se poder aproveitar essa força ao máximo, pelo que conseguir arranques canhão com um BEV é só… natural. Ou seja, quase que é preciso fazer uma engenharia inversa propositada para que esse não seja o resultado final.
Aliás, até seria de pensar/exigir que, estando essa parte da rapidez a direito resolvida de forma barata (sim, um trem motriz elétrico com 500 cv é incomparavelmente mais barato de projetar e construir do que um da mesma potência a combustão), os construtores apostassem mais na dinâmica, na qualidade do golpe de volante, na progressividade das reações e na combinação entre o conforto do pisar e o controlo de movimentos e inércias da carroçaria, até porque, mais uma vez, com exemplos como os DriftKing Supercar, que se podem comprar por 40 euros com escolha de cinco carroçarias (Toyota AE 86, Ferrari 430 GT3, Nissan GT-R GT3, Subaru Impreza STI e Aston Martin Vantage GT3), tração às quatro rodas e um motor elétrico superpotente (palavras do anuncio comercial do Facebook), o mundo dos brinquedos prova que calibrar o comportamento para fazer drifts perfeitos não é ciência de foguetões; até porque, uma coisa fascinante da física aplicada à dinâmica de veículos é que funciona de igual forma a todas as escalas, e estes DrifKing Supercar fazem drift com uma precisão e consistência incríveis para um brinquedo de 40€. Então se assim é… porque é que há poucos construtores a apostar em fazer carros elétricos bons de conduzir? E a resposta é porque é caro, tanto em tempo como tecnologia, pois necessita de uma abordagem global na conceção do carro: rigidez da estrutura; gestão da potência; suspensão; sistemas eletrónicos de controlo; pneus; e, sobretudo, tempo de testes.
Que grande carro
Ora, com o novo Q8 e-tron a Audi decidiu que este tinha de ser um carro excelente de conduzir, apesar de ser elétrico. E, se já na apresentação internacional tínhamos ficado uma boa impressão, então, usá-lo durante cinco dias nas nossas estradas ainda nos deixou mais convencidos.
E a primeira coisa que notamos é o conforto. A suspensão de amortecimento adaptativo consegue fazer criar a sensação de nos movermos em cima de um colchão de ar, e nem as enormes e pesadas rodas de 21 polegadas conseguem perturbar o bem-estar dentro do habitáculo. O Q8 e-tron rola com enorme suavidade, conseguindo algo muito raro de atingir: ao mesmo tempo que somos isolados da aspereza da estrada, o carro ainda nos transmite toda a informação necessária para uma condução tão intuitiva como envolvente; dá gosto estar dentro do habitáculo de alta qualidade do Q8 e-tron, envoltos por uns bancos exemplares em apoio e encaixe, mas, sem dúvida, o lugar em que mais gosto dá estar é o que tem o volante à frente, até porque a posição de condução é perfeita, com tudo no lugar certo e o trio banco, volante, pedais tem tudo perfeitamente alinhado.
O impacto seguinte é a facilidade com que o Q8 e-tron desliza, não com os níveis de um Taycan, que tem menos resistência aerodinâmica devido à menor superfície frontal, e a inteligência intuitiva com que o carro consegue decidir quando rolar por inércia e quando aplicar a quantidade de travagem regenerativa certa para nos manter à distância de segurança do carro da frente, ou abrandar na chegada a uma rotunda. No infotainment podemos escolher controlar a regeneração de forma manual, ou deixar em modo automático. Mas o ideal é deixar o modo automático ligado e usar as patilhas no volante quando existe uma situação em que queremos ser nós a controlar, como perder alguma velocidade na aproximação a uma curva ou deixar rolar o Q8 e-tron por inércia para aproveitar toda a energia cinética e potencial que 2500 kg de carro em movimento nos oferecem, permitindo rolar vários quilómetros sem gastar qualquer carga da bateria; as patilhas permitem alternar entre o modo de rolar por inércia, o “coasting”, e dois níveis de travagem regenerativa, um com uma desaceleração suave e gradual e outro com um nível de desaceleração mais elevado. Resta acrescentar que o Q8-etron tanto usa apenas o eixo traseiro para regenerar como as quatro rodas, dependendo da situação de condução e da potência de travagem regenerativa requerida.
E, mais uma vez, a experiência Premium é dada pela forma progressiva, previsível e perfeitamente natural como tudo se processa, incluindo a possibilidade de combinar a travagem regenerativa com a mecânica (algo que outros BEV mais baratos não permitem). Na verdade, nas travagens, as patilhas no volante podem ser utilizadas quase como reduções de caixa num carro a combustão, usando a resistência dos motores elétricos para ajudar os travões mecânicos.
E por esta altura também já verificámos a precisão da direção e forma como o Q8 e-tron gosta de curvas.
E a razão de tudo isto é que o Q8 e-tron foi pensado como um todo coerente e a Audi não poupou dinheiro em tecnologia, sobretudo em termos de software de controlo e velocidade de processamento.
Mas tudo começa pela base. O chassis é extremamente rígido e ainda foi reforçado em pontos chave e direções de força específicos, como os apoios das suspensões e as ligações dos elementos da suspensão no sentido das solicitações transversais, as que o carro suporta em curva. Depois temos a geometria com triângulos sobreposto na frente e multibraços atrás, bem como elementos pneumáticos para controlar o amortecimento e a inclinação da carroçaria em curva. A aerodinâmica cuidada, com alhetas inteligentes de refrigeração e algumas soluções inéditas para melhorar o escoamento e reduzir a resistência, tais como o fundo da célula da bateria ter as mesmas depressões que vemos numa bola de golf (ajudam a manter a camada limite colada e reduzem a resistência da passagem do ar); as cortinas de ar em torno das rodas dianteiras, as placas guia à frente das rodas e uma conduta que canaliza o ar aquecido que arrefeceu o radiador das baterias e os componentes eletrónicos para baixo do chassis (este ar quente tem energia e também ajuda a manter o fluxo de ar que passa por baixo do carro bem direcionado) são mais normais, mas também marcam presença.
Por fim, a eletrónica que gere todos estes sistemas de forma integrada e cujo grande trunfo é o processador de alta capacidade zFAS que funciona como uma central de decisões de assistência ao condutor. Graças à performance deste processador os engenheiros conseguiram integrar todas as informações recebidas dos vários sensores (velocidades, velocidade de rotação, dados do radar e das câmaras, dados de aceleração, momento de rotação…) e integrar tudo nas diversas caixas de comando eletrónicas, seja a do chassis (ECP), a da tração (DCU, uma espécie de diferencial central), a de controlo de potência de cada um dos motores, a dos travões by-wire (iBRS), a do sistema MMI (para os dados de navegação), a do sistema de climatização, e ainda outras menos determinantes.
E o resultado é…
Uma condução brilhante. Dos dois motores elétricos montados nos eixos (o dianteiro por cima do eixo transversal e traseiro coaxial transversal), o motor traseiro é o mais potente e predominante, para conferir um comportamento mais ágil, sendo a distribuição de potência comandada roda a roda em função das condições de aderência, usando o controlo de tração para a sintonia fina do nível de potência em cada roda. E ainda não é tudo, pois os travões podem fazer vectorização de binário nas rodas interiores à curva para manter o Q8 e-tron na trajetória e livre de subviragem, conseguindo mesmo modular a intensidade da vectorização ao travar mais a roda dianteira do que a traseira.
Na realidade, é fantástico o trabalho que o carro tem para curvar da forma que curva, e sem recurso a sistemas como as barras estabilizadoras ativas e o eixo traseiro direcional; na versão mais potente, o SQ8 com três motores que ainda não está disponível, os dois motores traseiros independentes conseguem um efeito de vectorização de binário que permite obter quase os mesmos resultados da direção ativa no eixo traseiro.
Mas a verdade é que o Q8 e-tron curva de uma forma pouco comum para um SUV desta envergadura e peso. A precisão e solidez do trem dianteiro na inscrição em curva e a forma obstinada, mas ao mesmo tempo quase graciosa e fluida, como o Q8 e-tron se mantêm na trajetória desenhada pela direção é surpreendente; mesmo em curvas lentas em descidas inclinadas a frente vai para onde é apontada e a traseira ajuda no apontar e no realinhamento final. E podemos desligar o ESP que os sistemas dinâmicos do Q8 e-tron não se baralham com o ganho de interatividade, com o aliviar de acelerador em apoio a provocar uma sobreviragem previsível e progressiva (sobretudo em pisos de baixa aderência), ou apenas um manipular da atitude que permite fechar o arco da trajetória. É quase um desperdício que a esmagadora maioria dos proprietários de Q8 e-tron não o conduzam assim. Já agora, para estas diabruras o modo de condução Dynamic com a regeneração na potência máxima é a configuração mais indicada: fornece o máximo de transferência de peso quando aliviamos o acelerador, logo mais direccionalidade, para além de aliviar o pesado fardo dos travões e maximizar a regeneração.
O Q8 e-tron 55 quattro tem 408 cv de potência de pico (e 215 cv de potência contínua), o suficiente para fazer os 0 a 100 km/h em pouco mais de 5 segundos e atingir uma velocidade máxima de 200 km/h, performances bem ajustadas a um SUV desta classe, até porque uma coisa são os números (o quanto) e outra a forma como são obtidos (o como). E é no como que o Q8 e-tron se mostra soberbo.
De novo, é a facilidade, a naturalidade e a (aparente) ausência de esforço que nos conquistam, principalmente quando combinadas com o conforto de rolamento, silêncio no habitáculo e desempenho do chassis, resultando numa enorme vontade de andar de Q8 e-tron para todo o lado. E é daqueles carros elétricos em que nem nos importamos muito em andar em modo Efficiency a 80 km/h para estender ao máximo a autonomia. Nada disso, o Q8 e-tron é para ser apreciado no modo Comfort e sem restrições de andamento, com prazer! Usado dessa forma o consumo fica sempre acima dos 30 kWh/100 km, o que nos dá 300 bons quilómetros de autonomia. Mas isso para o comprador típico que pode ter uma solução de carregamento em casa de 22 kW não é problema, já que numa noite carrega facilmente os 114 kWh de capacidade da bateria, enquanto os 170 kW de potência máxima de carregamento permitem ir dos 20 aos 80% em menos de 30 minutos.
E por falar em autonomias, consumos e carregamentos, o Q8 e-tron usa uma série de parâmetros, que vão dos mais normais como o tipo de condução, até à topologia e trânsito (quando temos a navegação ativa), passando pelos consumos de todos os sistemas elétricos e dados atmosféricos (temperatura e humidade relativa), para conseguir estimar de forma muito precisa a autonomia, sendo outro fator que dá confiança para conduzirmos sem vidros abertos e a empatar o trânsito.